01/07/16

Mudanças no Facebook deixarão timelines com mais fotos de amigos e menos notícias

Mudanças no Facebook deixarão timelines com mais fotos de amigos e menos notícias

Algoritmo da ferramenta irá priorizar atualizações feitas por usuários; a decisão desagrada setores da mídia.
Casamentos, nascimentos de bebês e vídeos de gatinhos convivem com atentados terroristas, decisões políticas e anúncios de governos locais. O feed do Facebook, assim como a vida, mistura os mais variados assuntos em doses relativamente parecidas. Não mais.

Uma mudança anunciada pela empresa na última quarta-feira vai desequilibrar esse balanço diário, com declínio para o lado das notícias produzidas por veículos de comunicação e a ascensão do que é publicado pelos próprios usuários. Isso gerará mais interação entre pessoas e, estima-se, uma queda no acesso de reportagens.

A motivação, segundo a empresa do milionário Mark Zuckerberg, é "priorizar o que é realmente relevante para as pessoas". Isso seria um mix com mais postagens de amigos e família. Essa medida, que aproxima os indivíduos de entes queridos, os distanciará das informações jornalísticas. De acordo com estudo do Pew Research Center divulgado no mês passado, o Facebook é fonte de notícias na internet para cerca de 66% dos usuários nos Estados Unidos. Ou seja, a principal porta pela qual a população fica sabendo dos acontecimentos do mundo ficará bem mais fechada. Uma das consequências mais impactantes dessa mudança é uma diminuição gradativa do índice de leitura de notícias, o que preocupa o setor de mídia, já que será preciso encontrar o usuário em outros locais.

Vice-presidente da gigante da internet, Adam Mosseri informou em um blog que o algoritmo atualizado ajuda as pessoas a encontrarem informações relevantes para elas.

—Nós não estamos nesse negócio para distribuir o que mundo deve ler. Estamos nesse negócio para conectar pessoas e ideias e combinar pessoas com as histórias que elas achem mais significativas, — escreveu.

O entendimento do que é o Facebook e de quais seus interesses parece estar no centro desse debate. O professor e pesquisador da Ufrgs Alex Primo, que tem extensa pesquisa sobre o assunto, alerta para um detalhe importante:

— O Facebook é uma empresa capitalista e que visa o lucro. Mas ela não produz conteúdo. Quem produz o conteúdo é o usuário e o Facebook ganha dinheiro vendendo espaços para anunciantes. Mas, diferente dos jornais, ele vende esses anúncios baseado nos dados que nós colocamos no Facebook.

A explicação é relativamente simples. Conforme as pessoas publicam suas preferências pessoais, a rede absorve essas informações, classifica os usuários em grupos de consumidores — os que gostam desse tipo de comida, que vão naquele tipo de estabelecimento, que compram nessa loja — e vende propaganda direcionada para as pessoas que mais provavelmente consumiriam o produto do anúncio. É por isso que, muitas vezes, aparecem na timeline produtos que você pesquisou em outro site ou sobre o qual conversou com algum amigo pela rede social.

—Então, o Facebook quer que a pessoa passe o máximo de tempo possível informando o que faz e o que gosta de fazer, porque isso dá mais dinheiro para o Face. Quanto mais pessoal o perfil, mais lucrativo ele é —, resume Primo.

Conforme aponta o pesquisador, essa priorização de alguns conteúdos em detrimento de outros já aconteceu antes. Em 2013, a empresa de Zuckerberg anunciou que daria ênfase a publicações pessoais e (veja só) notícias em vez de memes (imagens ou vídeos que funcionam quase como gírias, compartilhando os mesmos códigos culturais).

— Quando as pessoas estavam publicando memes, falavam menos de si. A empresa, então, não queria que o Facebook virasse um site de piadinhas —, afirma.

Com relação aos usuários e a seu acesso à informação, há outras consequências.

— Do ponto de vista do usuário, isso também é uma intervenção nos seus hábitos. Esse não é um site onde as pessoas podem fazer o que bem entenderem. Ele tem regras de uso, e o Facebook pode mudá-las conforme os seus interesses. O algoritmo é como uma receita de bolo, é ele que determina o que vai aparecer ou não para as pessoas, tanto post como propaganda, então é um elemento não-humano. Quando estamos conversando, somos eu, você e esse participante não-humano, e ele determina o que eu vou e não vou ver. Esse não é um serviço neutro. Ele está a fazer coisas, está lendo, ele participa ativamente, me faz ver, falar certas coisas, sou instigado a falar certas coisas diferentes —, explica Primo.

Mesmo que o Facebook tenha enfatizado que não quer ser um provedor de meios de comunicação, as pesquisas mostram que ele se tornou uma das fontes-chave de notícias. Uma pesquisa em 26 países feita pelo Instituto Reuters da Universidade de Oxford para o estudo do Jornalismo levantou que 51% dos entrevistados indicaram usar a rede social para notícias, com 12% deles usando a rede como principal fonte de notícias. O Facebook foi de longe a fonte mais importante de informações, usado por 44% dos entrevistados no total.

No entanto, o diretor de audiências do The New York Times, Mathew Yurow, fez uma série de publicações em outra rede social, o Twitter, alertando que a mudança não deve ser tão dramática. Ele chama a atenção que o número de publicações "pessoais" é cada vez menor e lembra que as notícias são o principal conteúdo que circula na rede. Para ele, o Facebook sem o conteúdo jornalístico viraria basicamente o Instagram e isso não pode ser tão benéfico para a empresa de Zuckerberg.

— Eu ainda acho muito difícil acreditar que as notícias não terão um grande papel este ano. Eleições e Olimpíada são muito atraentes — escreveu.

As opiniões são diversas. A pesquisadora e professora da Universidade Católica de Pelotas e da Ufrgs, especialista em redes sociais, Raquel Recuero, afirma que é sempre difícil entender exatamente a consequência que uma mudança feita pelo Facebook, já que a empresa não é absolutamente transparente sobre como funciona e os detalhes sobre o que vai mudar em seu algoritmo. Contudo, a partir do que foi divulgado, a estudiosa acredita em uma força mais social do que noticiosa, diferente do Twitter, por exemplo.

— Acho que estão apontando para o que é a própria rede, que nunca foi um local prioritariamente para conteúdo jornalístico. Em outros momentos, o Facebook viu potencial e flerta com uma apropriação desse conteúdo, mas não parece ser prioridade —, afirma.

Raquel também alerta para a importância de que as pessoas saibam qual a função da rede:

— Não dá para o sujeito ter a expectativa de que o Facebook vai dar notícia sobre o mundo. Às vezes acontece um atentado e as pessoas estão discutindo o que tem na novela. Não acho que o Facebook seja o lugar para a informação jornalística circular. O que tu vês é o que o usuário acha pop, não é a notícia stricto senso. Tem um fator informativo e tem um fator social, quem casou com quem, etc.

Para a pesquisadora, tanto público quanto empresas de notícias não podem colocar expectativa de que esse seja um ambiente para notícia, já que a circulação desse conteúdo é secundária, se dá de acordo com os interesses do usuário. Como exemplo, Raquel cita as notícias falsas que acabam ganhando relevância na rede, muitas vezes até tomadas como verdade, porque as pessoas as compartilham.

Também há debate entre os usuários. Na página do Facebook de Zero Hora, quando publicada a notícia de que o algoritmo seria alterado, diversas pessoas se manifestaram dizendo o que pensam sobre a mudança. A leitora Andréia Cândido escreveu: "Tá bom agora o face vai decidir o que é mais relevante e interessante pra mim! Se eu curto algumas (páginas) é porque eu quero ver suas atualizações, principalmente notícias!". Jeferson Paz, fotógrafo, fez uma provocação, questionando: "Que tal deixar o usuário definir o que quer priorizar?". Uma preocupação geral é com a falta de diversidade nas opiniões expostas na rede, como diz Guilherme Rosa, em comentário na mesma publicação: "Retornando à mesma bolha social da vida inteira. Mais cedo ou mais tarde isso iria acabar acontecendo".

Para Joshua Benton, diretor do Nieman Journalism Lab da Universidade de Harvard, este é mais um passo na contínua desvalorização dos seguidores de grandes produtores de conteúdo. Já Jay Rosen, professor de jornalismo da Universidade de Nova York, a mudança é positiva porque oferece transparência e se concentra nos usuários do Facebook.

— O seu gráfico social vem em primeiro lugar, não o mundo público —, afirmou Rosen em seu blog. O professor acredita que o ajuste significa que o Facebook está "comprometido com a personalização do feed de notícias como uma espécie de direito que os usuários têm".

A vice-presidente de jornais e mídias digitais do Grupo RBS, Andiara Petterle, acredita em prejuízo para quem gosta de ler notícias direto na sua timeline:

—Esse movimento do Facebook fará com que as pessoas consumam muito mais notícias e jornalismo local em outros lugares como as apps e os sites de conteúdo certificado. Cada vez será mais difícil distinguir o que é informação falsa nas redes.

 

Fonte: Zero Hora


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